O Ocidente e a América Latina

A periferia do Ocidente é a América do Sul.
(Pepe Escobar, Duplo Expresso 26/03)

É preciso desmantelar tendências que eu mesmo, ao longo dos anos, consciente ou inconscientemente, ajudei a fomentar. Chamemo-las:

  • luso-monarquismo
  • ítalo-saxonismo (ou ítalo-ocidentalismo)

Ter apoiado monarquismo e italianismo grandes, enormes erros meus. Falo como alguém que sempre apoiou um projeto conservador lato sensu.

Fiz uma análise equivocada do Vaticano e do catolicismo. Eu mesmo defendi conservadorismo religioso em contexto de hegemonia liberal e, mais recentemente, italianismo. E agora temos uma onda conservadora no Brasil. Perguntas:

1) Por que o Vaticano (como a instituição religiosa de poder mais antiga em existência, não como o padre humilde do interior de Goiás) teria interesse num catolicismo “rad-trad” em contraposição ao protestantismo? O protestantismo é inimigo para essa estrutura de poder ou somente para alguns latino-americanos?

2) Na mesma toada, por que o Vaticano estaria interessado em rivalizar com os anglo-saxões? Ele dá importância à falsidade da leyenda negra, buscaria promover um hispanismo anti-anglo ou isso é importante apenas para alguns latino-americanos?

3) Por que o “Ocidente cristão” estaria interessado na soberania e desenvolvimento dos países latino-americanos?

Elementos relacionados a um catolicismo rad-trad vêem muçulmanos, chineses e até ortodoxos como ameaças maiores do que protestantes germânicos. Os catolicistas católicos da Catolicidade ibérica iberista costumam ver protestantes com bons olhos mesmo comparados às religiões afro-brasileiras.

Considere-se que EUA = maior país cristão, branco e germânico do mundo. Igreja Católica é 2a maior denominação nos EUA. Mas no Brasil, na América Latina como um todo propaga-se o equívoco de que o catolicismo estaria “sitiado” pelo anglo-saxonismo. Até pode estar, mas voluntariamente. E essa correlação de forças não mudará facilmente sem pressão de outros elementos, mormente não-ocidentais.

Propaga-se a ingenuidade (em que eu mesmo caí outrora) de que Vaticano-catolicismo estaria interessado num projeto anti-protestante e/ou anti-EUA. Certas facções internas podem estar, mas isso faz pouco sentido do ponto de vista do Vaticano global. Pois unido à Anglosfera tem-se o “Ocidente cristão-liberal” contra os «comunistas totalitários muçulmanos indígenas» etc. O catolicismo como crença pode estar em declínio, mas não o Vaticano como instituição.

A correlação de forças dentro do Ocidente não permitirá a autonomização de um tal projeto ibero-católico – daí Bolsonaro + monarquistas + Vaticano + anglo-saxões + conservadores liberais + liberais Mises = dependência e vassalagem (impossibilidade de subjetividade geopolítica).

As tentativas de formar um projeto conservador de direita levarão à dependência do Vaticano (elites continentais da Europa), o que claramente não é a imagem do futuro para um projeto geopolítico independente. (Andrey  Shkolnikov, Esboço sobre a estratégia da América Latina, tradução automática)

Ilusão, então, esperar autonomia dentro do Ocidente. Simplesmente porque, dentro da correlação de forças, a América Latina é apêndice ocidental dentro dum contexto civilizacional. “Nacionalismo” e «patriotismo» serão sempre paródias dentro de um projeto conservador de direita. Os conservadores ocidentalistas se dizendo anti-globalistas e soberanistas… inversão total.

Ausência de auto-crítica: o globalismo e a «degeneração» aparecem sempre como resultado de judaísmo, comunismo, maçonaria etc, e nunca do desenrolar de seus próprios processos. Tudo que se expande em demasia, como o cristianismo ocidental, deve retroceder.

Não passa um dia sem que defensores do “reino cristão universal”, que espalharam sua crença por todo o mundo, afirmem que “o globalismo chinês minará nossos valores”. Para eles, o problema do PCCh não é apenas ser “comunista”, mas também “chinês” (ou seja: não cristão). Uma vez que o Cristianismo (ao menos no entendimento deles) se espalhe pelo mundo inteiro, alcançando 7 bilhões de pessoas, o globalismo será derrotado (sic). («Chinese globalism»)

Extensão do cristianismo em vermelho

Alguns conservadores ignoram, consciente ou inconscientemente, as origens do mundo moderno. O globalismo tem princípio com a Era das Navegações, e certamente tem relação com o cristianismo. Como poderiam elementos daí derivados serem anti-globalistas?

Em outras ocasiões, há o reconhecimento da fraqueza atual, de estar sitiado, e mesmo assim esperam que outras culturas se curvem perante um projeto Deus Vult cruzadístico (ou, o que é a mesma coisa, mas invertendo a ordem: proceder à conversão dos “infiéis” e, em seguida, esperar que os recém-convertidos apoiem a causa).

Pois para ter poderio suficiente de engajamento no Ocidente global, é necessário contar com EUA-OTAN e com o Ocidente liberal. Daí deriva-se a dependência com os liberais, a maçonaria, os judeus e os anglo-saxões, que a princípio eram adversários. Ao mesmo tempo, ignoram potenciais aliados táticos, como o Islã e sua relação com a usura. Pensando em “catolicidade ideal», ignoram o estudo das condições em campo.

*

Algumas páginas católicas exemplificam na prática essa teoria adotada.

No portal Sacralidade, vemos na página inicial o mesmo texto de André F. Falleiro Garcia, em dois idiomas: português e inglês.

Quem a página deseja atingir? Não eram os anglo-saxões inimigos? Por que português e inglês? Por que não português e espanhol? Português e francês? Português e italiano?

No site da revista Catolicismo, edição número 843, podemos ler na seção “realidade concisamente”:

Ou seja, é incorreto negar entrada de embarcações estadunidenses em águas nacionais. Seria esta mais uma demonstração do «Ocidente versus anglo-saxões»?

Outros títulos são: «Polícia de Maduro mata mais que o coronavírus»; «Partido Comunista [da China] inocula fakes personalizados»; «Fecha museu da KGB que revelava segredos». É assim que buscam um ibero-americanismo contra os anglo-saxões? Mas que piada.

No blog Fidelidade Católica lê-se: «Não aceitamos essa nova e falsa religião conciliar». Com isso, entendo o texto em dois sentidos: não aceitam o Concílio Vaticano II e não buscam nenhum diálogo inter-religioso.

Esse mesmo blog remete, na postagem «Sites para formação (e informação)», a outra página chamada «Traditional Catholic Resistance» (Resistência Católica Tradicional), em inglês obviamente, na qual se pode encontrar a seguinte seção:

Heresias e falsa adoração: o erro protestante, a infiltração maçônica, o budismo, o hinduísmo, o judaísmo, a heresia de Maomé… Quantos inimigos o Vaticano tem, não?

«Todos estão errados, menos nós. Agora nos ajudem a enfraquecer nossos adversários.» É evidente que, se todos são seus inimigos, ninguém pode ajudar contra seus inimigos…

Persistir no katholikos como universal é o caminho do fracasso. É uma estratégia em que, lenta mas seguramente, perde-se terreno.

*

Essa mentalidade também circula nos meios militares. Aquele famoso vídeo do militar Augusto Lima, o «patriota» brasileiro que assistiu Rambo demais: “os comunistas são seu inimigo!”. Esse foi o predecessor do olavo-bolsonarismo. O patriotismo entreguista vem muito antes de Bolsonaro.

«Ontem amigo, tava estudando o plano comunista dos cara e agora se juntaro ca China e ca Rússia, cara, tão tudo esses comunista, Venezuela também, Cuba também, tudo contra nóis»

Outro militar, Gélio Fregapani, diz que há duas ameaças principais – os anglo-saxões e o comunismo – e quer defender o Ocidente cristão e a soberania. Fregapani postula a defesa da soberania brasileira e o fortalecimento do Ocidente. Mas essas coisas se excluem mutuamente.

Mesmo alguém da estirpe de Lorenzo Carrasco, que conhece o movimento Larouche, entra no beco sem saída do “Ocidente cristão”.

Tanto os eventos na Síria como a aproximação entre o Vaticano e a Igreja Ortodoxa Russa, além da elevação de Putin a um plano singular de estadista, não causam qualquer entusiasmo nos altos círculos de poder ocidentais, especialmente, os grupos oligárquicos anglo-americanos, que têm empreendido uma série interminável de operações clandestinas contra as igrejas Católica e Ortodoxa Russa e mantêm, ao mesmo tempo, uma estratégia de tensão permanente contra a Rússia e seu presidente.

Certo, mas anglo-americanos x Igreja Católica? Na correlação de forças factual (e potencial) ou na mente do caro Lorenzo?

Ideias que predominaram crescentemente desde a derrocada das potências católicas ibéricas e a emergência do domínio colonial anglo-saxônico, há mais de 350 anos. Não há outro caminho racional para a humanidade, se não retornar à ordem de Direito Natural cristão, na qual cada indivíduo ou nação foram criados iguais por Deus, para ter a vida e a liberdade como instrumentos de uma missão, a busca da felicidade individual e geral – ou seja, a busca do Bem Comum. Enterrar em uma vala comum o empirismo radical inglês e o “excepcionalismo” é pré-condição para transformar os recursos de confrontação bélica em recursos para o desenvolvimento e o progresso compartilhados.

Tudo bem. Mas primeiro o catolicismo teria de se desvincular, material e simbolicamente, do protestantismo. Como se realiza isso defendendo o Ocidente? Nenhum desses personagens é entreguista, suas intenções e crenças são sinceras, mas…

Se a CNBB ou semelhante, por exemplo, soltasse amanhã uma nota, defendendo sim o Estado laico, mas criticando o narcotráfico evangélico, teria o apoio da maioria da população – e também de muitos protestantes. Porém, atrapalharia o fluxo de capital do sistema financeiro centrado nos EUA. E os EUA são líderes do «Ocidente cristão».

Em outras palavras, os conservadores ocidentalistas têm desejos contraditórios. Querem simultaneamente:

  • um Brasil mais soberano e altivo
  • fortalecer o Ocidente, que não tem interesse no anterior

O Brasil ser cristão não é problema algum, mas não pode ser ocidental. Porém, seria possível dissociá-los a curto (e até médio) prazo?

Personalidades como Plínio Corrêa de Oliveira querem o omelete (Ocidente cristão) sem quebrar os ovos (o “American way of life”). Querem a cara da moeda sem a coroa.

A TFP deseja um Ocidente Cristão sem o «American way of life». O vírus olavista é mais lógico: apóia os EUA diretamente.

São sempre contra o comunismo e contra a “degeneração anglo-saxã”, mas por alguma razão consideram sempre os comunistas um problema maior. A razão é evidente (as elites européias temem a perda de seus privilégios) e sua estratégia inerentemente falha (os anglo-saxões prescindem deles).

Este inimigo terrível tem um nome: ele se chama Revolução. Sua causa profunda é uma explosão de orgulho e sensualidade que inspirou, não diríamos um sistema, mas toda uma cadeia de sistemas ideológicos. Da larga aceitação dada a estes no mundo inteiro, decorreram as três grandes revoluções da História do Ocidente: a Pseudo-Reforma, a Revolução Francesa e o Comunismo. (Revolução e Contra-Revolução, Plínio Corrêa de Oliveira)

Mas, para os romanos do século I, não foi o cristianismo uma revolução?

*

No monarquismo temos o fetiche do sistema político. Ignora-se que a permanência de monarquias européias e republiquetas “fracassadas” no Terceiro Mundo são coisas interligadas entre si, não dissociadas. À medida que as primeiras representam dominância material-simbólica ocidental, ante a qual se contrapuseram e contrapõem sistemas distintos. As Casas de Windsor, Orange-Nassau, Habsburgos etc não precisam de competidores fora da Europa e tampouco terão interesse numa América Latina desenvolvida. Pela mesma razão o pan-iberismo aprofunda a dependência com a liberal-totalitária União Européia.

Luso-monarquismo: Portugal à revelia da Espanha significa tratado de Methuen. Da mesma forma, um Brasil à revelia da América espanhola significa americanização. Único resultado lógico: dependência EUA-Europa.

Vem desde o fim da União Ibérica e os sentimentos de «autonomia lusitana». Transplantados ao Brasil, se fortalecem com as diferenças em sistema político: na América portuguesa, teríamos tido uma monarquia ilustrada, garantidora da paz e harmonia, enquanto na América espanhola inúmeras repúblicas de bananas caíam no caos. O luso-monarquismo, ao ser anti-hispânico, ironicamente torna-se anti-ibérico. A América portuguesa cria clivagem com a América espanhola, enfraquece a América Latina e se sabota.

Essa imagem anti-hispânica que se formou no Império tem como resultado evidente a ocidentalização do Brasil, a ânsia de se desvincular dos vizinhos pobres e abraçar o norte. Demonstrado cabalmente em assertivas brasileiras de que «não somos latinos»; «como os latinos são porcos, tribais, temperamentais». O desprezo anti-hispânico vem diminuindo a passos de tartaruga.

Nos meios conservadores, também encontramos uma obsessão com a figura de George Soros, descrito como globalista progressista, destruidor de povos e nações. Isso está correto, mas o que se esconde por detrás dele?

Soros é a ponta visível de uma enorme rede secreta de interesses financeiros privados controlados pelas principais famílias aristocráticas e reais da Europa, centralizada na casa britânica de Windsor. Esta rede (…) controla aproximadamente uns dez trilhões de dólares em ativos financeiros. Domina o fornecimento mundial de petróleo, ouro, diamantes e muitas outras matérias-primas vitais, e utiliza esses ativos em função da sua agenda geopolítica.

Jacob Rothschild e o Príncipe Charles. Quem parece ser vassalo de quem? Mas a monarquia é simbólica, ela «não tem poder», dizem conservadores e liberais.

Já o ítalo-ocidentalismo se evidencia fortemente no Sul do Brasil, mais europeu e imigrante + Uruguai e Argentina. Essa região do Cone Sul é a mais influenciada por tendências cultural-ideológicas ocidentais, em especial pelo liberalismo.

Do ponto de vista das identidades que formaram (…) o Brasil, notamos um paralelo com a Argentina.

Os dois países receberam levas significativas de imigrantes italianos. A relevância na formação da sociedade argentina é muito maior que no Brasil, porque o Brasil é maior. Mas se pensarmos o Brasil como uma junção de uns dois ou três países sul-americanos, vamos notar uma região (…) que pode bem ser comparada à Argentina.

Agora vamos pensar no século XIX. Qual é a visão de mundo de um imigrante do século XIX?

As coisas são muito claras. O poder político está fechado. (…)

O caminho lógico do imigrante do século XIX (…) é o alcance do poder econômico. É através do poder econômico, o poder do dinheiro, que se pode obter influência e, daí, poder político.

Essa preponderância do fator econômico, agregada à expansão da propaganda estado-unidense na nossa região, especialmente durante a Guerra Fria, faz com que muitos descendentes de italianos, por terem poder econômico, se aproximem culturalmente aos Estados Unidos. A classe média de São Paulo, por exemplo, é altamente americanizada.

Mas essa atitude não é particularidade dos descendentes de italiano. (…) O que acontece é que a crença, o ato de fé no liberalismo e nos valores liberais costuma estar mais arraigado quanto mais poder econômico se tem. (O imigrante e o liberalismo)

Assim, Macri e Bolsonaro aparecem como resultados lógicos de apoiar o italianismo. Poderíamos também dar uma olhada nas personalidades em torno da CNN Brasil.

Este canal liberal argentino é uma cópia de muitos outros que infestam, em especial, o Cone Sul

Na página Oriundi – oriundi designa descendentes de italiano – encontramos o artigo do arcebispo Viganò, chamado «China e Vaticano, infame pacto para a NOM«, que diz:

A China comunista constitui o braço armado da Nova Ordem Mundial, tanto na disseminação de um vírus mutante criado em laboratório, quanto na interferência nas eleições presidenciais americanas e no alistamento das quintas colunas a serviço do regime de Pequim. E em promover a apostasia dos líderes da Igreja, impedindo-a de proclamar o Evangelho e atuando como barreira contra o ataque das elites.

A China seria o «braço armado da NOM». Porém, quatro parágrafos antes, Viganò escreve:

No dia dedicado à Imaculada Conceição – 8 de dezembro de 2020 – quase como um indigno ultraje à Nossa Senhora, foi oficializada a nova parceria entre o Vaticano e o Conselho para o Capitalismo Inclusivo promovida pela Lynn Forester de Rothschild, grande amiga de Hillary Clinton e de Jeffrey Epstein, após ter enviado uma mensagem de elogio a Klaus Schwab, presidente do Fórum Econômico Mundial e teórico do Great Reset.

Por acaso algum desses personagens elencados, virtuosas pessoas como Lynn de Rothschild, Hillary Clinton, Epstein e Klaus Schwab, é chinês? E Davos, na Suíça, é um centro do calvinismo ou da cultura chinesa?

O fato de isso trazer benefícios econômicos ao Vaticano torna a escravidão da seita bergogliana a esse plano infernal ainda mais vergonhosa.

Será que esses benefícios econômicos vão apenas ao «Vaticano progressista» dos jesuítas, enquanto o «Vaticano conservador» de Viganò sai perdendo?

Creio que agora se compreende, sem qualquer dúvida razoável, que os líderes da atual Hierarquia Católica se colocaram a serviço da Oligarquia globalista e da Maçonaria: o culto idólatra da pachamama na Basílica do Vaticano é agora acompanhado por um presépio sacrílego, cujo simbolismo parece aludir a antigos ritos egípcios.

Então façamos assim: os povos andinos deixarão de ter qualquer relação com a Igreja Católica e com o cristianismo. Todos os missionários, empresários e agentes de influência deixarão os «idólatras» em paz e irão a Roma engajados numa discussão interna entre cristãos conservadores e progressistas. Saem todos ganhando.

É bastante óbvio o que elementos do Vaticano conservador buscam. Criticam o progressismo globalista jesuíta, mas não deixam de apoiar um Ocidente cristão sob liderança EUA. Ou seja: querem preservar o lado conservador do Ocidente global.

*

Hoje, todo o antigo Eixo está mais subordinado ao Ocidente do que o campo socialista – isso não é coincidência. Historicamente, com exceção do Japão, os países do Pacto Anti-Comintern possuíam um denominador comum: o catolicismo. Hitler era austríaco e a Baviera católica sua base eleitoral. O destino do Japão foi selado ali mesmo. É um erro ainda mais profundo que o de Hitler, pautado pela irmandade germânica. Um Pacto Anti-Comintern latino-americano levaria a um resultado semelhante: aprofundamento da dependência. Por isso, apelar ao romano-germanismo e à herança do velho Eixo têm pouca chance de sucesso, pois cairão no Ocidente global. Hoje como em 1940, o neonazismo fortalece os anglo-saxões.

No período da Guerra Fria, a “terceira posição” entre capitalismo e socialismo foram os partidos «social democratas cristãos”. Como se podia prever, a terceira via destruiu o campo socialista. A coligação Vaticano-EUA destruiu a URSS. O Ocidente romano-germânico seguiu o mesmo modus operandi do anglófilo Hitler: preferindo os anglo-saxões aos eslavos comunistas. Mesmo hoje, muitos social-democratas não entendem que a terceira via só foi possível com a existência da URSS.

Assassinato do socialista Inejiro Asanuma a golpes do nacionalista Otoya Yamaguchi. O primeiro criticava a ocupação dos EUA e o segundo a defendia.

Em alguns meios conservadores, propaga-se a idéia de que o comunismo seria irremediavelmente anti-religioso. Deveriam considerar que:

À medida que o trotskismo deu uma guinada puritana, o estalinismo aplicou «características ortodoxas russas» – assim como alhures (Vietnã, Coréia do Norte, Cuba, Camboja etc) o socialismo real adquiriu traços culturais locais. (Symbologies of a Judeo-Christian West)

A bem da verdade, o maniqueísmo entre trotskismo e estalinismo é improdutivo. Se por trotskismo entendemos crítica radical às estruturas burguesas, é positivo. Se significa denúncia constante de toda e qualquer ordem estabelecida, é negativo. Da mesma forma, se estalinismo significa considerar elementos culturais locais, é positivo. Se significa burocratização excessiva, é negativo. O ponto central é que o liberalismo de esquerda, a geração de 1968 e, em geral, o marxismo ocidental se esqueceram das palavras de Ho Chi Minh:

Não ofender a fé e os costumes das pessoas (Ho Chi Minh, Doze Recomendações).

Mas esse esquecimento se deve a que parte da expressão «marxismo ocidental», a «marxismo» ou a «ocidental»?

Permitam-me ser dualista. O futuro não deve ser guiado pelo passado, mas este tampouco pode ser descartado. O capitalismo se desenvolveu a partir da civilização cristã. Estou igualando Jesus Cristo aos Rothschilds? Claro que não. Mas história é história. O socialismo, por outro lado, foi uma ideologia defensiva contra o ataque de um Ocidente liberal-democrático cristão.

Se observarmos com atenção, perceberemos o movimento pendular entre um Ocidente cristão-conservador, muitas vezes com conotações fascistas, e um Ocidente liberal-progressista, ambos promotores principais da homogeneidade cultural. (…)

O que Itália, Espanha, Portugal, partes da América Latina e Áustria – Hitler era austríaco, não alemão – têm em comum? É tão óbvio. É ainda mais evidente quando se percebe qual é a instituição religiosa mais antiga do mundo em existência contínua. E através da qual os criminosos nazistas foram canalizados para a América do Sul. Apenas um elemento conecta tudo. (…)

Em suas manifestações, o comunismo colou-se melhor ao mundo não ocidental.

  • à esfera chinesa;
  • a partes importantes do mundo islâmico, como Irã, Síria e, antes da intervenção ocidental, Iraque, Líbia, Indonésia;
  • no passado, à esfera ortodoxa (URSS);
  • a países de maioria budista (sudeste da Ásia);
  • a partes da África e da América Latina (em locais mais indígenas e sincréticos).

Portanto, quando os comunistas consideram o fascismo apenas um estágio do capitalismo – em vez de uma ideologia independente – isso também faz sentido do ponto de vista das esferas religiosa-civilizacionais.

  • O capitalismo-fascismo se relacionou ao cristianismo, sendo a América Latina uma zona disputada.
  • O comunismo se relacionou a outras tradições religiosas, como a ortodoxia, o confucionismo, o islamismo e o budismo. O hinduísmo aparece como uma exceção.

Nada disso deve implicar um “choque de civilizações”. Nem seria desejável exacerbar as tensões inter-religiosas. Muitos cristãos são anti-capitalistas e muitos não-cristãos são capitalistas ferrenhos. Mas suponho (…) ter encontrado uma explicação para a queda da URSS: a ortodoxia, em vez de promover a ideia de que православие e христианство são diferentes, escolheu a cristandade coletiva como o mal menor. E assim, Gorbachev se rendeu ao Ocidente. (A toast to Andre Vltchek)

A URSS caiu porque o cristianismo oriental não se diferenciou do cristianismo ocidental. Essa é a explicação imaterial. A material também faz sentido.

Os materialistas puros deviam considerar o papel da religião-cultura (civilizacional) como substrato subjacente ao sucesso do socialismo real – com todas as contradições daí implicadas. Agora, como a América Latina segue a religião que expandiu o Ocidente, mas é periferia dele, constitui-se numa zona disputada.

Por isso, ante o vaticínio de Samuel Huntington, demanda-se um posicionamento existencial semelhante por parte dos latino-americanos: somos ocidentais ou não?

Apesar de ser descendente da civilização européia, [a América Latina] também incorpora, em graus diversos, elementos das civilizações americanas indígenas, ausentes na América do Norte e na Europa. Teve uma cultura corporativista e autoritária que a Europa teve em muito menor medida, e a América do Norte não teve em absoluto. Tanto a Europa como a América do Norte sentiram os efeitos da Reforma e combinaram as culturas católica e protestante. Historicamente, a América Latina foi unicamente católica, embora isso possa estar mudando. A civilização latino-americana incorpora as culturas indígenas, que não existiam na Europa, que foram efetivamente aniquiladas na América do Norte, e cuja importância oscila entre dois extremos: México, América Central, Peru e Bolívia, por um lado, e Argentina e Chile, pelo outro. A evolução política e o desenvolvimento econômico latino-americanos se separaram claramente dos modelos predominantes nos países do Atlântico norte. Subjetivamente, os próprios latino-americanos estão divididos na hora de identificarem a si mesmos. Uns dizen: «Sim, somos parte do Ocidente». Outros afirmam: «Não, temos nossa cultura própria e única»; e um vasto material bibliográfico produzido por latino-americanos y norte-americanos expõe detalhadamente suas diferenças culturais. A América Latina poderia ser considerada ou uma sub-civilização dentro da civilização ocidental, ou uma civilização à parte. (Choque de civilizações, Samuel Huntington, p. 39)

O próprio Huntington afirma que, do ponto de vista de EUA-Europa, seria interessante:

Estimular a «ocidentalização» da América Latina e, até onde seja possível, o estreito alinhamento dos países latino-americanos ao Ocidente. (Choque de civilizações, Samuel Huntington, p. 343)

O ideólogo anglo-saxão do “choque de civilizações” entre o Ocidente e o mundo não-ocidental quer que façamos parte do primeiro. Essa opção resultaria na dissolução dos elementos culturais latino-americanos, no enfraquecimento dos “comunistas indígenas”, mas também dos elementos romano-germânicos. É isso o que querem os conservadores? Não, mas é aonde seu raciocínio logicamente leva.

Os descendentes dos Conquistadores espanhóis não são Vargas Llosa, Macri ou Pinochet, mas Fidel Castro, Che Guevara, Hugo Chávez etc. Todo o resto é anglo-saxonismo; enquanto o poder material-simbólico destes for predominante, romano-germanismo é anglo-saxonismo e o Vaticano, liberal-maçônico-judaico.

*

A América Latina não é nem deve ser ocidental.

“Progressismo” e “conservadorismo” não têm valoração por si só. Ocidente progressista e Ocidente conservador são dois lados da mesma moeda. O progressismo, quando se plasma num liberalismo de esquerda, de pendor escandinavo e harvardiano, é ocidentalista. Mas quando por detrás dele se encontram forças civilizacionais indígenas e sincréticas, é positivo. Portanto, o paradigma não é conservadorismo x progressismo, mas ocidental x não-ocidental.

Portanto, a solução ideal passa pelo conservadorismo de esquerda: hispano-criollismo indígena revolucionário. Para isso, elementos conservadores ligados ao Vaticano terão de fazer concessões aos “indígenas comunistas pagãos”. Também precisarão aceitar influência do cristianismo ortodoxo e da Rússia, à medida que são estes dois os únicos interessados na preservação de certo legado continental. Como disse Putin, em resposta ao católico Biden: “Eles vão ter que aturar isso”.

Ou seja: para poder ser conservador, necessário apoiar determinadas forças progressistas. Se conservadorismo e liberalismo significam Ocidente conservador e Ocidente progressista, ambos se fortalecem e bifurcam o caminho ao fracasso.

Hoje, o Ocidente deseja preservar tanto o lado cristão-conservador quanto o lado liberal-progressista, usando ambos contra o mundo não-ocidental. Mas “aquele que tudo defende, nada defende” (Frederico da Prússia).

Se os ocidentalistas persistirem nessa dualidade liberal-conservadora, junto com os anglo-saxões dentro do Ocidente cristão-liberal (conversão dos «infiéis» e promoção dos «direitos humanos»), a Anglosfera liberal transparecerá mais lógica e terá vantagem sobre o Vaticano. E este, repetindo o erro de Hitler (adoração dos saxões), tornar-se-á o algoz primário (e poucos lamentarão). E ainda culpará os comunistas…

Tudo que expande em demasia deve contrair. O Ocidente coletivo, após 500 anos de expansão, deve retroceder. De todos modos, apoiar o Ocidente significa maior dependência às estruturas capitalistas hegemônicas e aprofundamento da crise.

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